Na noite da última segunda feira (30/03), o Senador Antonio Anastasia (PSD/MG) apresentou ao Senado Federal Projeto de Lei n. 1.179/2020, que dispõe sobre o “Regime Jurídico Emergencial.e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET)”, durante os efeitos da pandemia do coronavirus (COVID-19).
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EFEITOS SOBRE OS CONTRATOS DE LOCAÇÃO COMERCIAL
Em tempos de incerteza e imprevisibilidade, a palavra é renegociar.
Como medida de contenção da propagação do coronavirus, governos federal, estadual e municipal impuseram uma série de medidas restritivas à circulação de pessoas, dentre elas o fechamento compulsório de estabelecimentos comerciais, à exceção daqueles classificados como essenciais.
Às incertezas deste momento excepcional soma-se a previsão de recessão econômica, cujos efeitos ainda não se pode dimensionar.
Esse cenário de dúvidas, inevitavelmente, atinge as relações locatícias.
Pelo contrato, o fato de a atividade comercial estar suspensa é indiferente para o vencimento da obrigação de pagar aluguel, que subsiste até a devolução do imóvel.
No entanto, a impossibilidade de explorar os imóveis para o exercício das atividades comerciais tende a inviabilizar o cumprimento das obrigações contratuais, especialmente o pagamento dos aluguéis.
Em alguns setores mais organizados e de representatividade significativa, associações se anteciparam em busca de orientações para mitigar os efeitos da pandemia sobre a atividade.
A Associação Brasileira de Shoppings Centers (ABRASCE) sugeriu que as partes evitem judicializar os contratos e busquem soluções provisórias. A título de exemplo, falou-se sobre a suspensão do pagamento dos aluguéis, a redução substancial dos valores devidos ao fundo de promoção e a adoção de medidas que reduzam custos condominiais.
Segundo a revista Exame, a Associação Brasileira de Franchising (ABF) tenta negociar com as administradoras medidas que possam minimizar os efeitos da baixa demanda para os franqueados que operam em shoppings centers, dentre elas a adoção de um aluguel percentual sobre o valor do faturamento para o período de anormalidade em virtude da pandemia.
A questão, no entanto, não está restrita aos shoppings centers e se estende a todos os ramos do varejo e indústria.
De fato, a saída mais adequada é a renegociação extrajudicial dos contratos, de modo que locador e locatário ajam em conjunto e de boa-fé, a fim de reestabelecer o equilíbrio econômico financeiro da relação contratual e evitar que apenas uma das partes suporte integralmente os prejuízos decorrentes da pandemia.
Os contratos de locação de imóveis urbanos são regidos pela Lei 8.245/91 (Lei de Locação) e subsidiariamente pelo Código Civil.
A Lei de Locação prevê, no art. 18[1], a possibilidade de as partes fixarem, de comum acordo, novo valor do aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.
Nos artigos 58 e seguintes, a Lei de Locação trata dos procedimentos para as ações de despejo, consignação em pagamento de aluguel e acessórios da locação, revisionais de aluguel e renovatórias de locação, no âmbito das relações locatícias comerciais.
No entanto, em períodos críticos e marcados por eventos imprevisíveis e alheios à esfera dos riscos do contrato, a Lei de Locação se rende ao Código Civil, que complementa e regulamenta aquilo que a lei especial não previu, permitindo renegociações de contratos comerciais independentemente das ações específicas previstas nos artigos 58 e seguintes.
A possibilidade de revisão contratual por motivos imprevisíveis está expressamente prevista no art. 317, do Código Civil:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Trata-se da Teoria da Imprevisão, que permite que as partes invoquem a aplicação da cláusula rebus sic standibus, implícita em todos os contratos de trato sucessivo e que dispõe que qualquer modificação na situação de fato implica também na modificação da execução das obrigações dos contratantes.
A cláusula em latim pode ser traduzida como “estando assim as coisas” e especifica que as partes de um contrato assim o dispuseram levando em consideração a situação de fato existente no momento da sua celebração, de modo que alterações substanciais, imprevisíveis e extraordinárias nessa situação podem justificar o rompimento ou renegociação, desde que modifiquem o equilíbrio do acordo, trazendo desvantagem a uma das partes.
O desequilíbrio contratual faz com que a prestação se torne excessivamente onerosa a uma das partes, que pode optar por resolvê-lo. A resolução contratual por onerosidade excessiva também foi prevista de forma expressa pelo Código Civil:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
É incontroverso que a pandemia do coronavirus se enquadra ao conceito de fato extraordinário, imprevisível e estranho às partes, tendo modificado completamente o cenário de contratação originária.
O ideal é que locador e locatário ajustem medidas que lhes favoreçam reciprocamente.
Veja-se que se analisada do ponto de vista de uma impossibilidade superveniente temporária, decorrente de caso fortuito ou força maior, a situação atual poderia ter o condão de congelar a prestação para as duas partes, com a suspensão dos contratos.
De um lado, tem-se o óbvio: a suspensão da obrigação do locatário de pagar o aluguel mensal.
Mas e a obrigação do locador de disponibilizar o imóvel? Também está suspensa? É permitido ao locador reaver o imóvel durante o período de suspensão?
Ora, se o contrato é bilateral, ou seja, com prestações recíprocas entre as partes, é certo que a suspensão do pacto aproveita-lhes também de modo bilateral, o que permitiria ao locador reaver o imóvel.
Claro que na prática, os efeitos de um posicionamento rigoroso e irredutível das partes muito provavelmente lhes prejudicará muito além, em tempo e escala, do que as medidas restritivas em si.
Ajustes que tratem de descontos no valor do aluguel por prazo determinado, redução proporcional do valor ao tempo de baixa nas vendas, renegociação dos prazos contratuais e das multas por atraso, dentre outros aspectos, são soluções que têm o condão de reestabelecer o reequilíbrio contratual e preservar o relacionamento das partes a longo prazo.
Mais que um princípio normativo, o equilíbrio contratual é verdadeiro pilar do direito contratual e da própria atividade econômica.
Por mais que muitas vezes a lei e o contrato privilegiem uma das partes em detrimento da outra, se não houver equilíbrio e socialização dos riscos entre os contratantes, a atividade econômica perde como um todo, porque a irredutibilidade de um, inevitavelmente levará à ruína o outro.
Em conclusão, em tempos de incerteza e imprevisibilidade, o melhor aos contratos e contratantes é que se abram caminhos à renegociação e que a autonomia das partes prevaleça sobre a intervenção judicial.
É importante considerar que períodos como este tendem a favorecer a informalidade nas contratações e (re)negociações, que embora possam remediar temporária e/ou imediatamente o problema, à mesma medida podem postergar a dificuldade, que voltará a se impor, mesmo quando a situação “se normalizar”.
É essencial que as (re)negociações sejam conduzidas com atenção e zêlo, de preferência atendendo às formalidades prescritas no contrato e sob a orientação de profissionais experientes e especializados.
[1] Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.
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- março, 31
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SE NÃO HÁ CULPA, HÁ MORA?
Em tempos de COVID-19, vivemos um cenário de inadimplemento generalizado das obrigações contratuais, o que nos leva a revisitar conceitos clássicos do direito civil, como a culpa e a mora.
Desde o último dia 11, quando a Organização Mundial da Saúde declarou o surto da COVID-19 como pandemia global, os governos passaram a impor uma série de medidas restritivas no combate à propagação do vírus.
A restrição à circulação de pessoas e a determinação de fechamento do comércio fadou à ruína milhares de empresas e empresários.
Sobretudo no âmbito das prestações de serviços, a busca por escapes contratuais que viabilizem a revisão ou até a rescisão antecipada de contratos empresariais se aquece e ganha importância a cada dia.
O grande desafio é encontrar, nas clássicas categorias do Direito Civil, algo que permita flexibilizar a força vinculante dos contratos diante destas circunstâncias imprevisíveis e, por enquanto, insuperáveis.
As primeiras expressões que nos vêm à cabeça diante da excepcionalidade e imprevisibilidade da pandemia são o caso fortuito e a força maior.
Quando trata do inadimplemento das obrigações, o Código Civil expressamente excepciona a responsabilidade do inadimplente quando há caso fortuito ou força maior:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
O caso fortuito e a força maior funcionam como excludentes da responsabilidade do devedor, mas nãoobstam a caracterização do inadimplemento em si.
Além disso, a existência de uma pandemia, embora se caracterize como caso fortuito ou força maior não opera automaticamente a suspensão ou cancelamento das obrigações contratuais.
Outros fatores estão em jogo e serão considerados quando da definição dos efeitos da crise atual sobre o inadimplemento contratual, dentre eles a prova da impossibilidade financeira do devedor como efeito direto da pandemia.
Também muito se tem discutido sobre a possibilidade de resolver os contratos por onerosidade excessiva[1] ou invocar a renegociação forçada, argumentos muito comuns nas revisões judiciais dos contratos.
Mas a situação pode ser analisada sob outro ponto de vista.
Todas essas alternativas buscam excepcionar a responsabilidade do devedor inadimplente que incorreu em mora, ou seja, que deixou de pagar no tempo, lugar e/ou forma convencionados.[2]
Mas se a falta ou o atraso no cumprimento das obrigações contratadas decorre direta e exclusivamente de um fenômeno mundial, imprevisível, extraordinário, excepcionalíssimo, há mora?
Se não houve culpa do devedor, incorreu ele em mora?
O Código Civil diz que não.
Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.
Não basta o descumprimento da obrigação pra que haja mora.
Embora o inadimplemento se presuma culposo, o devedor pode afastar essa presunção demonstrando que a inexecução da obrigação foi causada por fatores externos, imprevisíveis, excepcionais, extraordinários.
Para que haja mora, é essencial que haja culpa do devedor no atraso do cumprimento.
Se há caso fortuito, força maior, estado de emergência, calamidade pública, pandemia global: não há culpa.
Se não há culpa, não há mora.
É claro que sempre e em todo caso deve-se apurar se e em que proporção o fato extraordinário – no caso as circunstâncias e o desequilíbrio causado pelas medidas de contenção da COVID-19 – age diretamente no descumprimento das obrigações contratuais.
A assessoria de um profissional experiente e especializado é essencial pra garantir que as (re)negociações contratuais reestabeleçam o equilíbrio entre as partes de uma forma sustentável e que minimize o risco de uma futura interferência do judiciário sobre o contratado.
[1] Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
[2] Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.
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- março, 30
- 201
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